O Retorno das Bacantes
Sobre Polarização Política e Incentivos Comportamentais
Pedro Fernandes, e Anderson Bezerra
8/8/20252 min ler


Há mais de dois mil anos, o dramaturgo grego Eurípides escreveu As Bacantes, uma tragédia que, embora enraizada na Grécia Antiga, lança luz sobre uma tendência sombria do Brasil contemporâneo. Na obra, as Bacantes, seguidoras do deus Dionísio, rendem-se a um frenesi místico, abandonando a razão para se tornarem uma força coletiva desenfreada, capaz de despedaçar até os próprios laços familiares em nome de um êxtase divino.
A polarização política no Brasil evoca essas Bacantes. Seduzidos por narrativas carismáticas, como as mulheres de Tebas pelo poder de Dionísio, brasileiros abrem mão, voluntariamente, de suas capacidades cognitivas, trocando o pensamento independente por uma mentalidade coletiva. Ao contrário das Bacantes, enfeitiçadas por um deus, os indivíduos de hoje não sucumbem a poderes paranormais, mas a promessas de poder, status ou um suposto "bem" absoluto.
Essa escolha consciente os torna ainda mais responsáveis por suas ações. Há uma racionalidade míope por trás dessa entrega. Sacrificar o próprio intelecto para ecoar discursos coletivos pode render benefícios imediatos: promoções, cargos ou oportunidades de ascensão que o talento, o esforço ou o compromisso raramente alcançam.
No setor público, nomeações frequentemente privilegiam a lealdade ideológica em detrimento da competência, enquanto no setor privado, pressões por conformidade com pautas dominantes ou linchamentos virtuais em redes sociais punem quem ousa pensar diferente.
Esses incentivos transformam cidadãos em servos de narrativas prontas, novas Bacantes a serviço de modernos Dionísios, líderes ou ideologias que seduzem com a ilusão de um futuro redentor. Mas há um custo. Sacrificar a razão em troca de ganhos efêmeros é renunciar à própria dignidade, à capacidade de pensar e agir com autenticidade.
Como Ágave, que desperta do transe para descobrir que despedaçou o próprio filho, as Bacantes de hoje podem acordar e perceber que ajudaram a criar uma sociedade irremediavelmente fragmentada. No Brasil, a luta eterna do "nós contra eles", alimentada por rótulos e hostilidades, destrói o diálogo, corrói a confiança no estado, e entre cidadãos, enterrando a fraternidade que poderia unir os mais diferentes grupos. Resta apenas um campo de batalha onde o interesse nacional sucumbe ao tribalismo.