Certa vez uma raposa doente, estava em seu covil, quando um leão apareceu a sua porta declarando possuir uma misteriosa virtude na língua, garantia que com algumas lambidas poderia curar-lhe de qualquer mal. Em meio a gemidos, a raposa respondeu que acreditava no dom da língua do leão, mas temia os vizinhos desta, os dentes, e por isso preferia sofrer sua enfermidade do que se aproximar deles.
A fabula nos ensina que, às vezes, uma solução é oferecida em circunstâncias tais, que sua adoção pode representar um risco maior que a própria agrura que se está padecendo. Como também nos aconselha a desconfiar de respostas miraculosas a problemas concretos. Assim assemelha-se uma opção que vem sendo defendida por alas influentes da administração federal — O investimento público como estratégia de retomada econômica no Brasil pós-pandemia.
O argumento é perigosamente simples. Eleva-se o gasto público, este suscita um processo que multiplica cada real dispendido por um número maior que 1, e assim, meio que magicamente, a economia reinicia seu ciclo de crescimento e com ele oportunidades de trabalho e negócios florescem. Melhor ainda, como o multiplicador é maior que a unidade, a elevação na despesa é compensada por maior arrecadação futura.
Teoricamente e empiricamente há respaldo para hipótese do efeito multiplicador, principalmente em momentos como o atual, de crise, caracterizado por capacidade ociosa. Todavia, na economia, assim como na vida, não há soluções fáceis. Sabe-se, por exemplo, que o efeito multiplicador não ocorre independentemente do cenário econômico do País. Dentre seus condicionantes estão o nível de incerteza, a situação financeira das empresas privadas, a conjuntura fiscal e a qualidade institucional do estado.
Dito isto, um primeiro sinal de fragilidade do contexto brasileiro é o número de empresas financeiramente restritas. Conforme dados do SERASA, em dezembro de 2019 havia 6,1 milhões de empresas inadimplentes, perfazendo um número de 54 milhões de dívidas negativadas, totalizando um valor de R$ 115 bilhões em débitos.
No que concerne a dimensão orçamentária, o último relatório da Instituição Fiscal Independente está repleto de evidências de deterioração. A dívida bruta do governo central já chegou a 88,8 % do PIB. Enquanto o déficit primário atingiu -8,5% do PIB. Não obstante, estas cifras podem piorar, pois o relatório contemplou dados somente até agosto.
Quanto ao aspecto institucional, o Brasil figura apenas na 106º posição no ranking de percepção de corrupção da transparência internacional. Adicionalmente, relatório do TCU de 2019 contou mais de 14 mil obras paradas por todo o País. Sendo as maiores causas de interrupção, problemas de origem técnica e de titularidade da terra. Perfazendo evidências de baixa eficiência estatal e de legislação ambígua.
Diante deste quadro, não surpreende que trabalho do Professor Márcio Holland e coautores estimou o multiplicador do gasto público do governo federal variando entre 0,01 a 0,26 no período 1997–2018. Muito embora a literatura econômica ainda não contemple um consenso sobre o cálculo de multiplicadores fiscais, pelo que se dispõe de conhecimento sobre os condicionantes da influência do gasto público na economia e, do atual contexto brasileiro, recomendar expansão na despesa pública seria no mínimo temerário.
Recentemente, a economista chefe do FMI Gita Gopinath argumentou no Financial Times que estimulo fiscal neste momento poderia ser um caminho para a retomada. Entretanto, observa que países que já entraram na crise com dívida elevada e baixo crescimento precisam reordenar os gastos e procurar suporte financeiro.
Para o caso brasileiro, uma fonte de recursos seria a redução da renúncia fiscal dos governos estaduais e União. Conforme a Subsecretária do Tesouro, Priscila Santana, em média, os estados renunciam 16,8% do ICMS recolhido. Considerando o Ceará, que renunciou 16% em 2019, tem-se que [1]R$ 2 bilhões deixaram de entrar em caixa. No governo federal, conforme o TCU, esta quantia chegou a R$ 348 bilhões no mesmo ano.
Reduzir as renuncias e redirecionar os recursos para o acolhimento dos vulneráveis, executar uma agenda transparente de investimentos em manutenção da infraestrutura nacional, a partir de um plano de reestruturação fiscal e econômica crível. Ao mesmo tempo que se costura as auspiciosas reformas administrativa e tributária é o caminho a se seguir. Um caminho que não é fácil, nem politicamente agradável, porém é socialmente mais justo e potencialmente virtuoso em termos de desenvolvimento social e econômico.